quinta-feira, 21 de março de 2013

A Bruxa

"Estão todos mortos! A Bruxa matou todos!"


Se quem tivesse dito isto fosse um qualquer, já causaria uma comoção. Mas quem disse isso era o melhor caçador do pequeno vilarejo. Digo era porque logo após essa frase, o homem caiu morto, o rosto contorcido num espasmo antinatural.

Horas depois, o pânico tendo sido controlado pelo xerife, uma reunião foi feita na taverna local. Como era o costume naquela época, a população podia ouvir e frequentemente interrompia o debate entre os mandantes do vilarejo.

Deixe-me recapitular um pouco. Várias crianças e alguns adultos tinham desaparecido. Isso sem contar os animais, ovelhas, porcos, galinhas. Juntaram um grupo. Com os melhores caçadores, gente experiente, liderados exatamente pelo homem que morrrera ali na frente de todos.

A reunião tornou-se confusa. Nenhuma sugestão parecia ser possível. Algumas mulheres choravam, brigas entre os homens tiveram de ser separadas. O clima estava tenso quando a porta da taverna se abriu.

De modo quase teatral, o estranho entrou no recinto. Usava botas negras e um chapéu desgastado pelo vento e pela chuva. Tinha uma barba rala e olhos azuis penetrantes.

"Quem me enviou esta carta?". Imediatamente o prefeito, para surpresa de todos, confirmou ter enviado a carta.

"Atenção a todos! Este é o maior dos caçadores, o CAÇADOR, aquele que já acabou com muitas e muitas bruxas."

Houve um murmúrio de espanto. Todos tinham ouvido falar dele. Era um homem com uma certa idade, seus cabelos brancos e ralos, franzino e trêmulo. Mas inquisidor. Fez muitas perguntas durante dias. Por fim, se reuniu com as lideranças da cidade e disse que não tinha boas notícias. Eles estavam lidando com uma bruxa antiga, talvez a mais poderosa que ele já vira.

Começou a organizar a defesa da cidade. Por fim, disse que não iria conseguir derrotar aquela bruxa. Já não tinha mais idade para isso. E declarou seu plano. Eles deveriam enviar cartazes para outras cidades do reino, anunciando que o CAÇADOR estava a procura de um grupo.

E eles vieram de todas as partes do reino, e alguns de reinos distantes. A todos o CAÇADOR entrevistou. E escolheu. O BATEDOR escolhido era esguio e magro, e podia ser furtivo como uma sombra se quisesse. O SOLDADO era forte como um touro (alguns diziam que era meio-troll, mas nunca perto dele, é claro). E por fim, a SACERDOTISA cuja sabedoria e fé só eram superadas por seu ódio pelas bruxas.

Era hora. Eram os melhores, guiados pelo melhor de todos. O CAÇADOR retirou um objeto pesado de uma de suas malas e colocou-o ruidosamente sobre a mesa. Era um livro antigo, muito antigo.

A Sacerdotisa o reconheceu imediatamente: "O INCANTATRIX VENEFICIA! Dizem que mesmo os arquivos da igreja não tem uma cópia completa...".

O CAÇADOR então disse: é por isso que eu esperei o momento certo. O poder de uma bruxa é maior no solstício de inverno, quando os dias são mais frios e a noite é mais longa. Isso todos sabem, é a noite do SABBATH... E o seu poder é o máximo á meia noite. Mas poucos sabem que o poder da bruxa diminui no solstício de verão. Eu demorei anos para decifar e entender certas passagens do livro, mas todas as bruxas passam por uma letargia exatamente ao meio dia. Será o momento do nosso ataque.

Decidiram então sair em procura da bruxa. Era o trabalho do batedor. Dias depois, o batedor voltava dizendo que os rastros de sangue de animais e outros sinais convergiam para um determinado lugar perto da nascente de um rio. O solstício iria acontecer em dois dias.

Chegaram ao local. Havia um lago pequeno cristalino e a água da nascente caía das pedras. Bem diferente do que se imaginava como sendo um lugar aonde uma bruxa viveria. Durante horas o batedor procurou, procurou e procurou. Nada. "não entendo", ele dizia. Os animais foram trazidos para cá, os rastros estão aqui e convergem para o lago...

O soldado então falou: mas é claro que existe algo dentro do lago! E teria mergulhado no lago se não fosse seguro pela sacerdotisa, que disse "Bruxas são traiçoeiras. Cuidado". O batedor então teve uma idéia.

Ele jogou um pedaço de carne dentro do lago. Imediatamente o lago se transformou. Um cardume de peixes atacava vorazmente o pedaço de carne. Piranhas, disse o batedor. É um peixe muito, mas muito raro vindo de um local distante. O lago é um embuste!

Depois disso, não demorou muito para encontrarem uma passagem pelas pedras. Passando pela esguia passagem, o túnel se abriu mostrando uma caverna natural. Perceberam que alguém vivia ali. Um cheiro horrível vinha de um dos cantos e em outro havia simbolos profanos e um altar destinado provavelmente a deuses malignos. A sacerdotisa imediatamente se pos a apagar os simbolos auxiliada pelo soldado. E, exatamente ao tentar quebrar um dos ídolos que ali estavam, ouviram um estalido. A Sacerdotisa deu um grito de puro horror ao olhar para cima e ver uma imensa pedra caindo em sua direção. Mas o soldado fora bem escolhido. Tinha a força de vários homens. Inacreditavelmente ele conseguiu segurar a pedra e com um esforço supremo, jogá-la para o lado.

A sacerdotisa então disse, "Agora entendo. Esta caverna não é a morada da bruxa. Devem haver outras armadilhas. Estamos todos correndo perigo."

Voltaram ao lago. A sacerdotisa então resolveu fazer um ritual. Se purificou e passou a noite jejuando. Amanhã seria o solstício de verão. Em transe, finalmente, ela disse: estamos procurando no lugar errado. Qualquer lugar aqui na floresta seria um esconderijo óbvio. A bruxa está perto da cidade e estava entre nós todo esse tempo.

Quando voltaram, bastaram poucos momentos - agora que sabiam o que procuravam - para encontrar uma fazenda abandonada. Era perto da cidade. Ao se aproximarem, ouviram vozes de crianças. O soldado, enfurecido, correu para a casa. Bem que o batedor tentou avisar, mas já era tarde. O soldado agora estava no fundo de um buraco, a perna quebrada, gemendo de dor. O batedor imediatamente pegou uma corda para salvar o soldado...

E foi nesse momento que o CAÇADOR o empurrou para o fundo do buraco. O batedor, incrédulo, ainda teve tempo de se virar e ver a sacerdotisa caída ao chão, agonizante, uma faca entre as costelas. Sua ultima visão, ao cair, foi o sorriso triunfante e maligno do caçador.

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Dias depois
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O caçador, ou melhor, o BRUXO estava satisfeito. Sabia que mais cedo ou mais tarde iriam atrás dele. E ele não sabia quem seriam. Tinha escolhido realmente os melhores. Fora um ótimo teste para suas defesas. Melhoraria todas, é claro. Sempre ficava impressionado com a facilidade com que enganava as pessoas. Fazer a capa do livro deu trabalho, mas ninguém nunca sequer pensou em abri-lo. Como se realmente os bruxos tivessem algum poder real. Magia não existe! A verdadeira magia está na capacidade, na SUA capacidade de manipular e enganar a quem quisesse.

Matar os primeiros caçadores tinha sido facil. Cairam quase todos mortos no lago e o restante ele mesmo matou.
A idéia de envenenar o líder - que mal o tinha visto foi ideal para deixar a cidade em polvorosa de modo a facilitar todo o seu plano. O Bruxo percebeu que ele era o predador e esses camponeses ignorantes sua presa.

O batedor e o soldado ainda estavam no buraco. Podia ouvir seus gemidos e um ocasional pedido de socorro. Levariam dias, talvez semanas para morrer. E, para ser sincero, nem tudo sobre bruxos era mentira. Afinal de contas, carne de criança é bem mais macia do que um guisado comum...
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