quarta-feira, 6 de março de 2013

Hora de dormir parte 1


A hora de dormir é para supostamente ser um momento feliz para uma criança cansada; já para mim era horrível. Enquanto algumas crianças apenas reclamavam de ter que ir para a cama antes de terminar de ver um filme ou jogar seu jogo favorito, quando criança, a noite era algo de um medo profundo. Em algum lugar da minha mente ainda é.

Sendo uma pessoa que acredita na ciência, eu não posso provar o que aconteceu comigo era objetivamente real, mas posso jurar que o que eu vivenciei era genuinamente o horror. Um medo que na minha vida, eu estou feliz em dizer, nunca foi igualado. Eu vou contar isso para vocês da melhor forma que eu posso, pense o que quiser disso, mas eu já vou estar contente do simples fato de tirar isso do meu peito.

Eu não consigo me lembrar exatamente quando começou, mas minha apreensão de cair no sono correspondeu com a ida para meu próprio quarto. Eu tinha oito anos na época e até lá eu tinha dividido quarto, bem feliz, com meu irmão mais velho. Como é perfeitamente compreensível para um garoto 5 anos mais velho do que eu, meu irmão eventualmente queria um quarto só para ele e em resultado, eu ganhei o quarto do fundo da casa.

Era um pequeno quarto, estreito, ainda assim alongado, largo o suficiente para caber uma cama e alguma cômoda, mas não muito mais que isso. Eu não podia reclamar porque, mesmo naquela idade, eu entendia que não tínhamos uma casa muito grande e eu não tinha uma causa verdadeira para ficar chateado, sendo que minha família era muito amável e carinhosa. Eu tinha uma infância maravilhosa, durante o dia.

Um janela solitária era apontada para nosso jardim dos fundos, nada fora do normal, mas mesmo durante o dia, a luz que se insinuava para dentro do quarto parecia hesitante.
Como meu irmão ganhou uma cama nova, eu fiquei com o beliche que nós costumávamos compartilhar. Mesmo estando chateado de dormir sozinho, eu estava empolgado que eu agora poderia dormir na parte de cima do beliche, o que parecia uma das maiores aventuras que eu já tinha feito.

 A partir da primeira noite eu lembro de sentir um estranho sentimento crescendo lentamente no fundo da minha mente. Eu deitei no topo do beliche, olhando para baixo minhas figurinhas de carros espalhadas pelo meu tapete verde-petróleo. Enquanto imaginava batalhas e aventuras tomando forma nos brinquedos espalhados no chão, eu não podia evitar de sentir que meus olhos estavam sendo atraídos lentamente para a cama de baixo, como se algo estivesse se movendo no canto no meu olhos. Alguma coisa que não queria ser vista.

O beliche estava vazio, impecavelmente arrumado com um lençol azul-escuro dobrado perfeitamente, parcialmente cobrindo dos travesseiros brancos. Eu não pensei em nada na época, eu era uma criança, e o som da televisão dos meus pais que vinha por debaixo da minha porta me dava a sensação plena de segurança e bem-estar.

Eu adormeci.

Quando você está acordando de um sono profundo para alguma coisa em movimento ou se 
mexendo, pode ser que tome alguns segundos para você realmente entender o que está acontecendo. A névoa do sono fica em seus olhos e mesmo em seus ouvidos quando lúcido.
Alguma coisa estava se movendo, não havia dúvida disso.

De começo, eu não estava certo do que era. Tudo estava escuro, quase completamente, mas havia luz suficiente vindo da rua para contornar aquele quarto sufocante. Dois pensamentos apareceram na minha mente simultaneamente. O primeiro era que meus pais estavam dormindo porque o resto da casa estava com as luzes apagadas e em absoluto silêncio. O segundo pensamento era sobre o barulho. Um barulho que tinha obviamente me acordado.

 Enquanto o meu sono ia se desfazendo lentamente, o barulho ia se tornando mais familiar. As vezes os sons mais simples podem ser os mais irritantes, um vento assobiando na janela, o balançar das árvores na rua, os passos dos vizinhos que parecem perto demais, ou, nesse caso, o simples som do lençol da cama farfalhando no escuro.

Era isso; o lençol farfalhando no escuro como se alguém com dificuldade para dormir estivesse tentando ficar confortável na cama de baixo. Eu fiquei deitado lá incrédulo pensando que o som era ou minha imaginação ou talvez meu gato tentando achar algum lugar confortável para passar a noite. Foi quando eu notei minha porta, fechada desde a hora que eu tinha ido dormir.

Talvez minha mãe tinha ido dar uma olhada em mim antes de dormir e então o gato tinha escapulido para meu quarto.
Sim, tinha que ter sido isso. Eu me virei para a parede, fechando meus olhos com a esperança que eu conseguiria dormir de novo. Enquanto me movia, o barulho da cama de baixo cessou. Eu achei que tinha perturbado meu gato, mas então percebi que o visitante na cama de baixo era muito menos mundano do que meu gato tentando dormir, e muito mais sinistro.

Como se tivesse ficado alerta, e descontente com a minha presença, o dorminhoco incomodado começou a se sacudir e se virar violentamente, como uma criança tendo um acesso de mau humor na cama. Eu conseguia ouvir o lençol se torcendo e girando com uma ferocidade crescente. Meu medo apertou, não como o mal-estar que eu tinha tido antes, mas agora potente e aterrorizante. Meu coração acelerou e meus olhos entraram em pânico, procurando qualquer coisa no escuro absoluto.

Eu deixei escapar um grito.

Como a maioria dos meninos novos fazem, eu instintivamente gritei pela minha mãe. Eu conseguia ouvir algo no outro lado da casa se mexer, mas enquanto eu comecei a respirar aliviado que meus pais estavam vindo me salvar, o beliche começou a tremer violentamente como em um terremoto, debatendo contra a parede. Eu não queria pular do beliche com medo que a coisa me alcançaria e me pegaria, me puxando para a escuridão, então eu fiquei lá, com meus dedos brancos de tanto apertar o cobertor em volta de mim. Eu esperei o que pareceu uma eternidade.

A porta finalmente se abriu bruscamente, e eu me deitei banhado em luz enquanto a cama de baixo, o lugar onde ficava o meu visitante não desejado, estava vazia e calma.
Eu chorei e minha mãe me consolou. Lágrimas de medo, seguido pelo alivio, descendo pelo meu rosto. Mas, mesmo pelo terror e então o alívio, eu não contei para ela porque eu estava tão chateado. Eu não podia explicar, mas era como se ele fosse voltar se eu falasse no que tinha estado no meu beliche. Se isso era verdade, eu não sabia, mas como criança eu achava que só porque uma coisa não estava visível, não queria dizer que estava lá, ouvindo.

Minha mãe se deitou na cama de baixo, me prometendo que ficaria lá até de manhã. Eventualmente minha ansiedade diminuiu, meu cansaço me puxando para o sono, mas eu continuei sem descansar, acordando várias vezes por momentos em que eu ouvia o barulho dos lençóis.

Eu lembro que no outro dia eu queria ir para qualquer lugar, estar em qualquer lugar, mas longe do quarto estreito sufocante. Era sábado e eu brinquei fora de casa, feliz com meus amigos. Mesmo que nossa casa não fosse grande, nós tínhamos a vantagem de ter um grandioso jardim nos fundos. Nós brincávamos com frequência lá, e quando o gramado estava cheio nós nos escondíamos nos arbustos, escalávamos a enorme árvore Sicômoro que se estendia acima de todo o resto, e facilmente nos imaginávamos nós mesmos dentro de grandes aventuras em alguma terra jamais explorada.

Por mais divertido que fosse, ocasionalmente meus olhos se viravam para aquela pequena janela; normal, pequena e inofensiva. Mas para mim aquela fino limite era uma janela para um frio, sinistro e tenebroso quarto. Lá fora, o verde exuberante tomando conta de nosso jardim cheio dos sorrisos dos meus amigos, não extinguia o sentimento assustador escalando pela minha espinha; cada pelo ficava de pé. O sentimento de algo naquele quarto, me observando brincar, esperando pela noite quando estou sozinho; ávido, cheio de ódio.

Pode parecer estranho para você, mas quando meus pais me colocaram de volta para aquele quarto a noite, eu não disse nada. Eu não protestei, eu nem se quer inventei uma desculpa para não dormir lá. Eu com uma expressão carrancuda no rosto simplesmente andei para o quarto, escalei os degraus do beliche e esperei. Como um adulto eu teria contado para todos sobre minha experiência, mas naquela idade eu me sentia bobo de estar falando de alguma coisa que eu não tinha como provar. Mas eu estaria mentindo se dissesse que essa era minha razão principal; eu ainda achava que a coisa ficaria enraivada se eu falasse demais nela.

É engraçado como umas palavras podem parecer ocultas na sua mente, não importa o quão evidentes e óbvias elas são. Uma palavra veio a mim naquela segunda noite, deitado lá sozinho no escuro, assustado, ciente da mudança na atmosfera; um espessamento do ar, como se algo tivesse se deslocado nele. Enquanto eu ouvia o primeiro virar casual dos lençóis abaixo, os primeiros batimentos mais fortes enquanto eu percebia que algo estava lá em baixo mais uma vez, aquela palavra, uma palavra que tinha sido mandada para o exílio, filtrada em minha consciência, se quebrando de toda a repressão, gritando, coçando e se cravando em meus pensamentos.

"Fantasma".

Quando esse pensamento veio à minha cabeça, eu notei que o me visitante indesejado parou de se mexer. Os lençóis ficaram imóveis e calmos, mas eles tinham sido substituídos por algo ainda pior. Um respirar baixo, ríspido e rítmico escapou da coisa de baixo. Eu conseguia imaginar o peito da coisa se inflando e desinflando a cada lufada de ar. Estremeci e esperava que além de toda esperança que aquela coisa fosse embora sem nenhuma ocorrência.
A casa ficava em silêncio como na noite anterior, em um manto de escuridão. O silêncio tomava conta, nada além do meu respirar desvirtuado, e claro, do meu colega invisível de beliche. Eu permaneci deitado com medo. Eu só queria que a coisa fosse embora, que me deixasse em paz.

O que a coisa queria?

Então algo inconfundível aconteceu; a coisa se mexeu. Se mexeu de um jeito totalmente diferente de antes. Quando ele se mexeu na cama de baixo parecia como se estivesse sem restrição, sem propósito, quase animalesco. Esse movimento, entretanto, foi feito em consciência, propositalmente, com um objetivo na mente. Aquela coisa que estava deitada na escuridão junto comigo, a coisa que parecia com intenções de aterrorizar um menininho, calmamente e despreocupadamente se sentou. O respirar cuidadoso começou a ficar mais alto sendo que agora apenas algumas finas madeiras separavam meu corpo do respirar que não era desse mundo.

Eu permaneci deitado, meus olhos cheios de lágrimas. Um medo que palavras não podiam descrever pra você nem pra ninguém fluía em minhas veias. Eu não podia acreditar que esse medo podia ainda crescer, mas eu estava errado. Eu imaginava como essa criatura se parecia, sentada e me ouvindo por debaixo do meu colchão, esperando pegar qualquer sugestão de que eu estivesse acordado. A imaginação então ligou uma realidade irritante. A coisa começou a tocar as tábuas de madeira de onde ficavam o meu colchão. Parecia acariciá-las com cuidado, correndo, o que eu imaginava ser suas mãos e dedos, a superfície da madeira.

Então, com uma grande força, cutucou com raiva por entre duas tábuas, bem no colchão. Mesmo pelo acolchoamento, parecia que alguém tinha enfiado seus dedos no lado de meu corpo. Eu deixei sair um grito potente e um chiado, tremendo, e a coisa na cama de baixo respondeu com "gentileza" vibrando e sacudindo o beliche como tinha feito na noite anterior. Pequenos flocos em pó da tinta da parede caíam em meu cobertor enquanto o beliche raspava na parede, pra frente e pra trás.

Novamente eu estava banhado em luz, e minha mãe estava lá, amável, cuidadosa como ela sempre foi, com um confortante abraço e palavras calmas que eventualmente acalmou minha histeria. Claro que ela perguntou o que estava errado, mas eu não podia dizer, eu não me atrevia a falar. Eu simplesmente disse uma palavra várias vezes seguidas.

"Pesadelo."

Esses eventos continuaram a acontecer por semanas, se não meses. Noite após noite eu acordava com o som dos lençóis ou coberta se mexendo. Todas as vezes eu gritava para não dar tempo que a coisa me pegasse. Com cada choro a cama se sacudia mais violentamente, parando com a chegada de minha mãe que passava o resto da noite comigo na cama de baixo, sem nenhum sinal da sinistra criatura para torturar sem filho mais novo.
Com o tempo eu comecei a fingir adoecimento algumas vezes ou vir com qualquer outra razão para dormir na cama de meus pais, mas na maioria das vezes eu ficava sozinho por algumas horas naquele lugar. O quarto onde a luz de fora não ia muito bem. Sozinho com a coisa.

 Com tempo você se torna insensível para quase qualquer coisa, não importa o quão horrível seja. Eu comecei a perceber, que não importava o que, essa coisa não podia me machucar quando minha mãe estava presente. Eu tenho certeza se fosse meu pai a coisa também não poderia me pegar, mas depois de dormir, era quase impossível de meu pai acordar.

Depois de alguns meses eu comecei a me acostumar com meu visitante noturno. Não confunda isso com uma celeste amizade, eu detestava a coisa. Eu ainda tinha muito medo enquanto eu quase podia sentir os seus desejos e personalidade, se é que pode-se dizer assim; preenchido com um ódio forte por mim, ou talvez, por tudo.

Meus maiores medos se realizaram no inverno. Os dias eram mais curtos, e as noites mais 
compridas, deixando o desgraçado com mais oportunidades. Foi um tempo difícil para a minha família. Minha vó, uma maravilhosa, amável e querida senhora, tinha ficado muito mal desde a morte de meu vô. Minha mãe estava dando o seu melhor para mantê-la na comunidade por mais tempo o possível, mas, demência é uma doença cruel e degenerativa, roubando da pessoa suas memórias a cada dia. Logo ela não reconhecia nenhum de nós, e ficou claro que ela teria que se mudar de casa para um asilo.

Antes dela se mudar, minha vó teve algumas noites particularmente difíceis e minha mãe decidiu que iria ficar com ela. Por mais que eu amasse minha avó e sentia nada mais do que angústia pela doença dela, nesse dia eu me senti culpado por meus primeiros pensamentos não por ela, mas para meu visitante noturno que poderia aparecer e ficar sabendo que minha mãe não estava em casa; sua presença sendo a única coisa que eu tinha certeza que me protegia da criatura me pegar.

Eu corri da escola direto para casa e imediatamente tirei a coberta e o colchão da cama de baixo, removendo toda as tábuas e colocando uma velha mesinha de desenho, umas cadeirinhas, uma pequena cômoda. Eu falei para meu pai que estava "fazendo um escritório" o que ele achou adorável, mas eu seria condenado se eu desse a criatura mais uma noite um lugar pra dormir.

Enquanto a noite chegava, eu deitei em minha cama sabendo que minha mãe não estava em casa. Eu não sabia o que fazer. Meu único impulso era de ir de fininho até uma caixa de joias dela e pegar um pequeno crucifixo da família que eu já tinha visto lá antes. Minha família não era muito religiosa, mas naquela idade eu ainda acreditava em Deus e esperava que alguém pudesse me proteger. Embora assustado e ansioso, quando eu botava o crucifixo de baixo do meu travesseiro preso com força em uma das minhas mãos o sono veio a mim eu derivei em um sonho, com o desejo de acordar apenas de manhã sem nenhum incidente. Infelizmente aquela noite foi a mais aterrorizante de todas

(CONTINUA)
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