sexta-feira, 15 de março de 2013

Hora de dormir parte 6


Eu acho que é um rito de passagem para todas as crianças ter um esconderijo, um lugar para esconder suas coisas. É geralmente a primeira experiência com a independência, algo seu sem nenhuma intrusão de uma figura de autoridade. Para mim, meu "esconderijo" era no meio do Sicômoro. Eu tenho certeza que eu parecia um idiota, mas feliz e contente eu escalei a árvore abandonada. O lugar dos galhos tinham mudado conforme eu mudava por causa do tempo, mas entre boas memórias de ficar pendurado e atirado pela árvore, de ter um pequeno pedaço do mundo só para mim.

Na metade da subida eu até prendi a respiração e sorri para mim mesmo. No tronco central da árvore  havia um local oco. Se ele tinha sido feito por algum animal, ou por um raio de uma furiosa tempestade eu não sabia, mas era onde eu guardava as minhas coisas. Se eu encontrava alguma coisa que eu sabia que seria tirado de mim por ser "inapropriado", ele ia parar no oco. A verdade é que não tinha nenhum artigo muito interessante lá, na maioria alguns brinquedos ou algumas peças exóticas de contrabando como um estilingue e algumas bombas de fumaça. Eu não tinha nenhuma razão para esconder os brinquedos,  mas quando mais novo, gostava da aventura de ter um segredo.

O buraco estava escuro e cheio até a metade com folhas apodrecidas, com certeza tendo caído lá de vários outonos com o passar dos anos, no entanto consegui chegar ao fundo para ver o que restava. Eu não podia acreditar! Os brinquedos que eu tinha deixado ainda estavam lá, mesmo depois de todos esses anos! Eu podia sentir o plástico na minha mão, os formatos inconfundíveis, mas as folhas e a escuridão impediam que eu conseguisse ver alguma coisa, e eu sofria para tentar remover a grossa mistura de folhas podres e água da chuva. Parecia estar preso entre alguns pequenos galhos.

A razão por eu estar tão animado era porque eu sabia que quando tínhamos nos mudado eu tinha deixado um dos meus brinquedos favoritos; uma pequena réplica de um soldado britânico da primeira guerra mundial. Pode não parecer nada de mais, mas eu tinha crescido em histórias de família em que meu avô se aventurava durantes duas guerras, e como ele faleceu antes de eu nascer eu costumava atuar exageradas versões das histórias com esse pequeno soldado sendo meu vô o papel principal das brincadeiras. Na época eu pensei que o oco era um esconderijo perfeito para um soldado.

Minha alegria, no entretanto, rapidamente se tornou em horror. Eu me senti enjoado, pois enquanto eu puxava o soldadinho para fora do oco, eu percebi que não era meu brinquedo, mas algo totalmente diferente. Dentro do buraco negro da árvore entre o lodo, e agora em minha mão, estava o esqueleto de um animal pequeno. Os ossos se quebraram com o aperto de minha mão e poucos chumaços de cabelo e carne podre ficaram entre meus dedos. Eu quase perdi meu equilíbrio enquanto o cheiro forte  e úmido de apodrecimento e morte chegou ao meu nariz invadindo meus sentidos.

Eu desci da árvore cuidadosamente, desanimado. Não havia mais nada no buraco, meus brinquedos tinham sumido, provavelmente pegos por outra criança durantes os anos anteriores. O que tinha sobrado do pobre animal, eu enterrei sob um pedaço de terra solta no jardim.
Eu deixei o lugar imediatamente.

Apesar do meu infeliz episódio do oco, eu ainda me sentia poderoso. Que eu realmente tinha criado coragem para revistar o lugar, para ver o quão normal realmente era, me fez me sentir mais uma vez no controle de minhas ações. Naquele momento, eu não exigia nada além de uma explicação convencional.

Eu dei adeus ao antigo bairro, às memórias ruins de uma vez por todas, e comecei a fazer meu caminho de volta para casa. No momento que eu alcancei a auto-estrada, algo começou a surgir através da parte de trás do meu subconsciente. No começo eu não considerei o pensamento, descartando-o como minha imaginação, mas quando o último raio de sol brilhou no horizonte e sumiu, senti o crescimento de uma compulsão em mim. Uma ideia que parecia ter nascido e alimentada por uma boa razão. Nenhuma razão especifica, nenhuma base sólida para isso, mas que tinha que ser seguida a todo o custo....

Eu tenho que chegar em casa!

Eu acelerei o carro, ultrapassando esporadicamente os outros carros mais lentos da estrada, olhando no espelho retrovisor, mantendo um olho sobre o que poderia estar me seguindo.

Eu tenho que chegar em casa!

De novo, eu dirigi mais rápido olhando constantemente para trás, como se estivesse fugindo de um perseguidor invisível, 100, 120, 140 Km/h! Eu rasgava ao longo da estrada, buzinando e gritando, o suor escorrendo de minha testa. O que estava acontecendo comigo?!?

Por favor, me deixe ir para casa!

Com os dedos pálidos, eu finalmente sai da auto-estrada para as estradas menores que iam para a minha cidade. As ruas eram estreitas e contornavam o campo que agora estava sombrio e ameaçador. A escuridão parecia um véu sobre a estrada em frente a mim. Fiquei aliviado ao ver ao longe um feixe de luz, mesmo que artificial. A ansiedade que antes tinha me tornado em um maníaco na auto-estrada pareceu diminuir, no entanto eu continuava a olhar para o espelho retrovisor mais do que deveria, apenas para me certificar que nada havia me seguido até ali.

Que pensamento ridículo! Pensar que algo estava perseguindo meu carro! Botar outros e a mim mesmo em perigo acelerando em uma auto-estrada movimentada... loucura!
Sendo loucura ou não, eu ainda me sentia compelido a fugir o mais rápido possível e mesmo que eu tinha me acalmado um pouco, a solidão da estrada estava alimentando a ansiedade para chegar na minha cidade, na minha rua, na minha casa!

Nervoso, eu atravessei as ruas que pareciam labirintos com sinuosa cautela pelo campo, sentindo-me aliviado como o primeiro poste de luz aparecendo ao longe, civilização, e dos limites da minha cidade. Eu encostei o carro do lado de fora de casa, desliguei o motor, e fiquei sentado no carro em silêncio por um instante. Eu tinha que parar com todo esse absurdo! Coisas que saem das paredes, os observadores me sufocando a noite, olhando para as janelas das casas como um ladrão, tudo isso era insanidade!

Eu então pensei: "Amanhã eu gostaria de começar tudo de novo, não mais escrever sobre minhas experiências de infância, não mais enfrentar noites em claro. Apenas voltar ao normal, trabalhar, passar mais tempo com minha namorada, e acima de tudo, reafirmar a minha crença, fé e confiança na ciência e na racionalidade. "

Então a coisa no banco de trás se inclinou para frente, me agarrando pelos ombros e soltou a respiração rançosa de dentro de seus pulmões em minha nuca.

Eu me virei para a porta do carro, minhas mãos tentando achar a maçaneta do carro. O medo tomou conta de mim, me abalou; um medo que eu me lembrava muito bem, um medo de anos anteriores, deitado acordado de noite naquele quarto doentio. A atmosfera de dentro do carro tinha ficado muito mais fria, mas nada comparado com os dedos que estavam agarrados aos meus ombros e congelando minha pele.

Eu honestamente achei que eu iria morrer, que a coisa finalmente completaria sua tarefa depois de todo aquele tempo.

A maçaneta da porta abriu com o meu perto e eu caí do banco do motorista para a calçada. Por um breve momento eu achei que tinha visto um vislumbre do que estava no banco de trás; vagamente, a forma de um homem velho, retorcidamente sorrindo de orelha à orelha. Felizmente não havia ninguém ao redor, pois se tivesse eu teria parecido um idiota alucinado, pois o carro estava vazio. Peguei as chaves da ignição e fechei a porta com um chute, trancando pela noite.

Eu cambaleei pelo caminho até a porta de casa. Eu não vou mentir para você, naquela noite eu me embebedei até cair no sono. Você deve se lembrar que eu disse que tinha provas evidentes, provas físicas de algo sobrenatural. Você deve estar se perguntando que prova é essa. Bem, posso dizer que eram as marcas em meus ombros que me faziam estremecer de medo, ou também a janela de meu quarto aberta de manhã, que eu tinha certeza de ter fechado, com marcas de garras no parapeito. Mas não, nada disso me assustou tanto quanto o que eu vi hoje ao acordar.

Às vezes, as mensagens mais assustadoras são as mais simples. Quando acordei pela manhã, deitado em meu peito estava um soldadinho de brinquedo, o soldadinho que eu tinha escondido no oco à muitos anos atrás; retornou a mim depois que eu tinha virado adulto, mordido pela metade.

(CONTINUA...)

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