segunda-feira, 18 de maio de 2015

A moça do quarto número 13


 Sempre fui apaixonado por viajar e capturar o que via com uma câmera, tanto é que hoje sou formado em fotografia e trabalho pra uma importante revista de viajem. Faço o que amo e ainda me pagam pra isso, tem coisa melhor? Sim! Ser pago pra realizar um sonho de criança, conhecer o Japão e o famoso Monte Fuji.
  Chegando no outro lado do mundo, me registrei num hotel bonitinho e com arquitetura tradicional japonesa, um hotel bem pequeno e no pé do Monte Fuji. Se por fora o hotel era pequeno, por dentro a gente podia chamar de pousada. Apesar de ser realmente uma pousada, mas até que era aconchegante.
  Nos quinze minutos que levei pra me registrar, percebi que a maioria dos quartos estava sem hóspede. Subi as escadas e fui para o meu quarto, número 14, sentei na cama e como se houvesse sido picado por um mosquito, um pensamento me incomodou, por que haveria tanto quarto vago e ao mesmo tempo tanto carro no estacionamento?
  Deixei aquilo pra lá e desfiz a minha mala, tomei um banho e mandei um e-mail para a revista, avisando que já havia chegado são e salvo no Japão. Peguei minha câmera e resolvi tirar uma foto da minha vista, um velho costume, mas desta vez não era nada do que eu estava acostumado: de vez de Sakuras no auge do seu esplendor e magia, o que eu encontrei foi um bosque macabro e que me causou arrepios dos pés à cabeça. Longe e totalmente diferente das vistas paradisíacas com as quais eu estava tão acostumado. Fiz minhas costumeiras fotos e enviei algumas novas para a revista com uma nota que dizia “Perfeito pra quem gosta de terror, fantasmas, coisas assustadoras e misteriosas.” e enviei diretamente pra o e-mail da minha chefe, aproveitei a oportunidade pra perguntar se ela tinha me mandou para o lugar certo.
  Por algum motivo eu não conseguia me sentir bem naquele lugar, tinha trabalho pra fazer e teria que dormir, ou tentar, bem do lado daquele bosque de filme de terror. Mas é nessas horas que eu sigo a linha de raciocínio do quanto mais rápido eu começo uma coisa, mais rápido posso terminar ela. Nesse caso era uma espécie de relatório sobre o pacote aéreo, a viajem, a vista, a hospedaria, a recepção, a vista... Essas coisas que escrevem nesses artigos de viajem.
  Como sempre eu tive que fazer uma espécie de matéria sobre o lugar, mas por onde começar? Resolvi fazer uma pesquisa, pro meu desespero o que descobri não ajudou muita coisa para o lugar ganhar minha simpatia. A base do Monte Fuji é um lugar misterioso e envolto em lendas e histórias arrepiantes, o Monte é o ponto mais alto do Japão e nas lendas daquele povo, quanto mais alto o lugar, mais próximo dos deuses. Ou seja, o Monte Fuji seria o ponto mais próximo dos deuses. Outra coisa que descobri sobre o Japão na minha curta pesquisa, foi que há uma alta taxa de suicídio entre jovens, geralmente cometido em lugares altos e em lugares ao céu aberto, fazendo do bosque que ficava no pé do Monte Fuji, um lugar perfeito para se cometer um suicídio. O bosque dos suicidas, Aokigahara.
  Coisa que só me fez ficar mais assustado com o lugar e com mais vontade de sair dali o quanto mais rápido possível. Mas a pesquisa me fez entender o porquê de tanto carro no estacionamento e tão pouca gente naquela pousada.
  Eu estava curioso sobre as redondezas e ainda havia algo me incomodando naquele lugar, resolvi falar com a dona da pousada pra ver se ela me tranquilizava, eu já estava tentando imaginar se ela falava um inglês razoável ou se eu teria que me virar com algum tradutor online, quando ao sair do meu quarto vi que na porta do quarto vizinho havia alguns incensos e um pote de arroz. Mesmo achando aquilo estranho e de saber que geralmente aquilo não devia ser um bom sinal, a minha curiosidade falou mais alto e eu tentei ver se a porta abria, a porta estava trancada e como não havia ninguém por perto, resolvi dar uma olhada pela fechadura e vi uma garota muito branca, com o cabelo negro e enorme cobrindo o seu rosto, a moça estava sentada no chão do quarto com a cabeça baixa. Talvez ela estivesse esperando alguém ou só estivesse triste, preferi não incomodar e voltei para o meu quarto.
  A noite virou e eu não conseguia dormir, algo me incomodava, eu sentia um peso sob o peito, falta de ar, dormi pouco e já tarde da noite, com sonhos estranhos e muito mal. Acordei e abri logo o Word para escrever sobre o lugar, sobre as lendas, sobre a vista privilegiada, fiz algumas piadinhas, nenhuma de mau gosto, revisei e enviei para a minha chefe.
  A tarde chegou e eu resolvi descer e comprar algo para comer, enquanto saia do quarto, a imagem da moça do quarto 13 me veio à mente e eu fiquei curioso para saber se ela estava lá ainda, tentei abrir a porta e ainda estava trancada, dei mais uma olhada e me surpreendi: a moça estava exatamente da mesma forma. Me preocupei com ela, mas eu tinha que comer alguma coisa.
  Dei uma volta pelo bairro, tentei conversar com algumas pessoas sobre o lugar e elas sempre tentavam disfarçar algo, mudavam de assunto ou simplesmente viravam as costas como se eu as tivesse ofendido. Depois de muitas tentativas fracassadas, resolvi voltar pra perto da pousada e tirei algumas fotos das placas que estavam por lá, eram placas com frases positivas, com mensagens de apoio, números de Call centeres de autoajuda, frases que tinham sempre algo como “Pense na sua família” ou “Pense nos seus amigos!” ou “Não desista tão fácil, pra tudo tem uma saída.”. Eu comecei a me sentir mal, sabia porque elas estavam ali, sabia o que queriam dizer e de certa forma, elas me lembraram de um momento ruim da minha vida. Quando me aproximei e uma das placas, vi uma senhora ajoelhada, colocando incensos ali e quis ajudar, ela me agradeceu pela gentileza e disse:
- Muitos julgam, mas eu os entendo, meu marido se foi assim e meu filho procurou o mesmo caminho do pai. Eu não os culpo, a vida é difícil e é preciso de muita coragem para tirar a própria vida. – Ela tinha os olhos vermelhos e parecia muito abatida.
  Eu não sabia o que fazer e então ofereci a única coisa que eu podia: um abraço. Que foi prontamente aceito. Perguntei a ela sobre o lugar e ela me confirmou a história da minha pesquisa. Ela ainda disse que a maioria eram jovens, nada mais do que vinte e cinco anos geralmente, eles entravam no bosque sozinhos e nunca mais eram vistos. Ela também me contou que era uma voluntária do centro de ajuda ao combate à depressão e ao suicídio, disse que era bastante difícil ter que saber exatamente tudo, ter que sempre ser o melhor o tempo todo e ter que levar sempre o peso da honra de um país inteiro nas costas pelo mundo. Os japoneses levam muito à sério a honra de seu povo e de seus antepassados.
  A noite chegou e ela disse que tinha que voltar ao centro de voluntários, se despediu e se foi. Eu voltei para a pousada e tirei algumas fotos pelo caminho, era impossível acreditar que aquele lugar podia ser tão bonito e tão triste ao mesmo tempo. Dei boa noite para a dona da pousada e subi para o meu quarto, mas eu tinha que ver a moça do quarto 13 de alguma forma, espiei novamente e ela estava do mesmo jeito. Aquilo era estranho, mas ela podia estar com depressão e pensando em suicídio. Isso me assustou ainda mais. Peguei meu notebook e passei as fotos para lá, também escrevi uma anotação sobre o relato da senhora que encontrei. Eu jamais pude imaginar que iria encontrar um japonês que aceitasse abraçar um estranho. Quando terminei de passar as fotos, vi que o ícone da minha caixa de e-mail estava piscando, então uma felicidade repentina me invadiu antes mesmo que eu soubesse do que o e-mail se tratava.
  Era a minha permissão para voltar para o Brasil. Foi como se eu tomasse um banho gelado depois de ficar horas andando no sol. Dormi como um anjo e no dia seguinte eu já me sentia completamente novo.
  Após arrumar o quarto e colocar minhas malas pra fora, liguei para um taxi e fui descer para fazer o check out, mas eu não podia deixar de dar uma ultima expiada no quarto número 13. A porta ainda estava trancada, mas desta vez eu olhei pela fechadura e o que vi foi um pano vermelho tampando tudo. Talvez a moça tivesse percebido e ficado irritada e colocado um pano pra eu parar de bisbilhotar a via dela. Desci as escadas com as malas nas mãos e encerrei as diárias, meu táxi ainda não havia chegado e eu não podia sair sem saber sobre a moça do quarto número 13.
  Perguntei para a dona da pousada sobre a moça e ela mudou de assunto, perguntei novamente e ela disse que não sabia do que eu estava falando, eu insisti e ela deu um suspiro e pediu pra que eu não contasse sobre aquilo pra ninguém e eu concordei. Então ela disse:
- Há bastante tempo quando não haviam grandes hotéis por aqui, a pousada estava com os seus 20 quartos lotados e era noite um casal muito feliz chegou aqui no meio da noite e eu sabia que os hotéis estavam lotados por causa de um show de um cantor famoso na época, então eles me pediram que desse qualquer quarto e eu avisei que só havia o 13, – Nessa hora a senhora apontou para o chaveiro atrás dela – a moça pareceu meio assustada e perguntou para o rapaz se era uma boa ideia, ele perguntou para ela se dormir no carro era uma ideia melhor e ela disse que não. Eles pareciam casados, recém-casados, o rapaz me ofereceu uma boa quantia e disse que não se importava com o dinheiro e que eles queriam uma cama quentinha onde pudessem passar a noite juntos, eu não tinha como recusar e não podia deixa eles dormirem no carro.
- Então a senhora deu a chave do quarto número 13 pra eles... – Eu disse a interrompendo.
- Sim. – E a senhora voltou a narrar – O rapaz pagou à vista e disse que era só por uma noite. Subiram juntos e foram para o quarto, ficou tudo bem por um bom tempo, mas aí começaram os gritos, um rapaz assustado desceu as escadas correndo e me disse que estava preocupado com a moça, pois ouvia ameaças e ela chorava muito, então eu fiquei preocupada com a moça também, subi as escadas o mais rápido possível e ao chegar a porta do quarto o marido abriu a porta com violência e a fechou com a mesma violência, a batida foi tão forte que eu me assustei e cheguei a pular, algumas pessoas saíram de seus quartos e olharam, eu falei com todo mundo para se acalmarem e voltarem pros quartos, e enquanto isso, o rapaz desceu as escadas calmamente e o que me chamou voltou para o seu quarto. Cheguei aqui e o rapaz estava saindo pela porta, eu perguntei se estava tudo bem e ele respondeu que ia sair pra esfriar a cabeça. Era por volta das dez da manhã do dia seguinte e eu bati na porta para ver se estava tudo bem com a moça, a porta estava trancada, bati mais forte e nada, chamei por ela e nada, peguei a chave reserva do quarto 13 e voltei para lá.
- O rapaz ainda não tinha voltado?
- Não. – Ela fez uma pausa, respirou e continuou – Eu entrei no quarto e encontrei a moça sentada no chão, de cabeça baixa e com o cabelo no rosto, quando eu toquei no seu braço para ver se estava tudo bem, a moça caiu de lado e o cabelo saiu da frente do rosto dela. A moça estava morta, com os olhos furados e o seu sangue havia lavado todo o seu rosto. O rapaz nunca mais voltou.
- A senhora acha que ele matou ela durante a briga e depois se matou no bosque?
- Possivelmente. – Ela soltou um suspiro triste. – Um corpo muito parecido com o rapaz foi encontrado no bosque, não muito longe. – Ela fez mais uma pausa e perguntou – Você viu só a moça sentada?
- Não. – Ela botou a mão no rosto e balançou a cabeça de um lado para o outro. – Por quê?
- Porque geralmente um ou dois dias depois do aniversário de sua morte, a moça lembra do seu marido e se levanta para esperar por ele na porta, ela tenta sair e descobre que a porta está trancada e olha pelo buraco da fechadura. E tudo o que se vê são os olhos dela cobertos de sangue.

Escrito por: Isabele C. S. Lucena

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